25 A Mudança

25
A Mudança


Aquele ano 1988 finalmente acabara. E com ele, eu queria que tanto sofrimento vivido fosse também.
(“Quando eu fui ferido... Vi tudo mudar... Das verdades... Que eu sabia...)
Por mais que eu quisesse e fizesse esforço, na verdade, impressos na alma e na mente, eles me marcaram profundamente; e eu, com isso tudo, não tinha como evitar que não me fizessem mudar, embora mudanças para melhor – assim decerto tive que passar a acreditar. Mas, no fundo, eu desejava e tinha toda a esperança de que tudo voltaria a ser como era antes.
(Só sobraram restos... Que eu não esqueci... Toda aquela paz... Que eu tinha...”)
Apesar das enormes dificuldades nesse período em casa no final do ano que passara, aquilo acabou sendo necessário para dimensionar como seria o retorno em definitivo para casa, uma vez prestes a ocorrer. Conquanto exatamente não soubesse quando, eu tinha que me preparar para aquilo.
(“Eu que tinha tudo... Hoje estou mudo... Estou mudado... À meia-noite, à meia luz...Pensando!... Daria tudo, por um modo... De esquecer...)   
Ansiava sim pelo computador que meu pai iria me trazer, mas, sobretudo, pela minha cadeira de rodas motorizada. Ela faria toda a diferença em minha vida, me dando autonomia para ir e vir onde eu quisesse, obviamente a depender da acessibilidade e das condições do lugar. Eu poderia me iludir e brincar de ser livre novamente.
(Eu queria tanto... Estar no escuro do meu quarto... À meia-noite, à meia luz... Sonhando!... Daria tudo, por meu mundo... E nada mais...”)
No mais, eram tantas questões ainda muito vagas a serem resolvidas por aquela cabecinha já abarrotada de dúvidas, mesmo porque muitas delas seriam decididas e resolvidas pelos meus pais. Se eu antes não tinha controle de nada efetivamente, com o novo quadro piorou. Eu não tinha visão nenhuma de meu horizonte futurístico – estava totalmente perdido e não conseguia ter um panorama de alguma possibilidade.
(“Não estou bem certo... Que ainda vou sorrir... Sem um travo de amargura...”)
A piorar, no final do ano anterior, quando fui no baile de formaturas da minha turma e de meus amigos, que a partir do acidente se tornaram meus ex-colegas, ao lado de sentir uma ponta de inveja de toda aquela alegria de tantos em terminar o 2.º Grau, uma imensa tristeza por verem todos com planos para o futuro me abateu forte. Eu me via parado olhando o ônibus ir se distanciando cada vez mais e finalmente ir embora. Cheguei no hospital, eu chorei muito, muito, pois eu não sabia nem quando iria sair dali e nem para onde iria realmente. 
 (“Como ser mais livre... Como ser capaz... De enxergar um novo dia...”)
Para tentar fugir de toda aquela tristeza, mergulhei na rotina do hospital, na das pessoas que lá fiz amizades e no amor platônico que criei por uma enfermeira. Criei algumas válvulas inconscientes de escape para não entrar em depressão e para me manter numa letargia atitudinal até quando realmente surgisse alguma luz naquele túnel sem fim. Entrei num estado de belle indifference quanto a tudo que me cercava desde que fiquei tetraplégico.
As amizades... eu precisava delas mais uma vez e mais que nunca para que pudessem me proporcionar alguma muleta para me apoiar e não me desabar até o chão. As da escola quase não as tinha mais e as que me restavam eram as criadas no hospital. Eu tinha que me sustentar em algo para me reerguer novamente e caminhar para algum rumo que eu encontrasse alguma felicidade de verdade naquela condição física.
Quando pouco tempo depois, veio uma notícia nova: minha mãe decidiu permutar com um outro servidor do Hospital das Forças Armadas seu apartamento funcional com uma casa funcional no Setor Residencial Interno daquele hospital. Com ela, viriam mudanças importantes em minha vida. 

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