4 Logo Após Aquele Logo Após A Chegada

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Logo Após Aquele Logo Após A Chegada

Todo ar parecia ser insuficiente. Um esboço de cianose já começava a apontar nas extremidades de meus dedos. E uma espécie de obnubilação da minha capacidade de pensar atropelava minha mente. Esta não tinha mais controle das idéias, com uma sonolência que não tinha fim.
(“Hello darkness, my old friend,… I've come to talk with you again,… Because a vision softly creeping,…”)
Eu já nem parecia escutar direito ou se escutava já não entendia. Também parecia não me importar mais. A moleza finalmente queria tomar corpo e domar tudo. Mas tinha um ruído e lentamente abri os olhos...
(“Left its seeds while I was sleeping,… And the vision that was planted in my brainStill remains… Within the sound of silence…”)
Vi logo que estava sendo transportado por uma espécie de padiola improvisada por uma rede, com vozes ofegantes ao redor; subindo algo como um morro ou barranco e atravessando um mato. Enquanto o leve roçar do mato no fundo da padiola começava a atrair novamente minha preguiça, as vozes confusas dizendo para onde ir, onde subir e onde passar tentavam me manter acordado. Mas não resisti muito, e fechei um pouco os olhos...
(“In restless dreams I walked alone… Narrow streets of cobblestone,… 'Neath the halo of a street lamp,…”)
Quando abri de novo os olhos, percebi que estava dentro de uma Kombi, deitado num colchão no assoalho. Daniel e Zé Arroio continuavam fazendo respiração boca a boca em mim, e insistindo para que eu me mantivesse acordado. Ao redor e dentro do veículo, o barulho infernal que seu motor fazia pelo seu esforço parecia que queria romper a velocidade do som. Na janela, o visual pouco mudava.
(“I turned my collar to the cold and damp… When my eyes were stabbed by the flash of a neon light… That split the night… And touched the sound of silence…”)
O céu não estava como antes e o sol já não tinha mais seu vigor. As cores não tinham brilho nem contraste. Uns pontos imaginários se debatiam sob meu olhar como se brincasse de Atari, jogando Asteróides. Com aquela monotonia de imagens, mais indolência foi sendo atraída.
E aquele sono não me deixava e a todo instante queria chegar de vez... Mas os rapazes não deixavam dormir, me chamando insistentemente. Como aquilo me dava nos nervos naquela hora! Só que nem força para gritar ou brigar eu tinha, só mesmo para implorar mais ar. E assim retribuíam meus pedidos. Pisquei os olhos mais pesadamente, parecendo estar num estado de estupor. Por um momento, já não sabia se estava acordado ou dormindo, vivo ou morto.
Seguindo firme em seu trajeto, o Kombão rumava incansável...
A ironia da situação me fez levar a um hospital próximo à minha escola. Com sua fachada de hotel colonial, ali escondia uma emergência; não tão preparada, mas a que pode me atender no primeiro instante após o choque. O médico plantonista responsável ainda cursava sua residência médica em sua fase inicial, porém se esforçava para dar seu melhor andamento.
Quando me deparei já estava no seu interior, numa pequena sala bem clara. Muito movimento e agitação que na minha cabeça pareciam estar descompassados e desconexos. Eu realmente não conseguia compreender mais nada àquela altura. Alguma coisa me ajudava a ventilar os pulmões. E era estranha, muito estranha. Cerrei suavemente os olhos.
Tempos depois, abri os olhos, vendo minha mãe, com olhos marejados. Ela falou comigo e me tocou carinhosamente. Só respondi: “oh, mãe, me desculpe. Como vai a Omi? Pede desculpas a ela”. Ela passou a mão no meu rosto, e uma serenidade tomou conta de mim, fazendo me entregar ao sono. Sabia que ela cuidaria de mim, como sempre fez.
De repente, escuto um chamado forte do meu pai.
– “Cláudio!” Ele rapidamente examina meus olhos, erguendo a pálpebra superior e colocando luz de uma pequena caneta-lanterna.
Abro os olhos e tento sorrir; e ele passa mão no meu rosto. Em ato seguinte, pega uma espécie de bola de futebol americano com uma máscara macia e começa a apertá-la, passando a sair ar pela sua abertura. Finalmente com aquilo comecei a sentir que respirava melhor ou ao menos sentia menos falta de ar. Logo ele passou a bola de futebol para alguém para que continuasse a bombear.
Quando a entregou, foi logo pegando um travesseiro e dobrando ao meio em todo o seu comprimento. Assim que o fez, foi firmando o meio com as mãos, enrolando ao seu redor com esparadrapo. De pronto fez uma espécie de colar cervical, apoiando delicadamente meu pescoço. Caí no sono novamente.
Pouco tempo depois, eu ia sendo arrastado às pressas para o Hospital de Base de Brasília. Lá meu pai já se antecipara à minha entrada no setor de politraumatizados.
Dentro da ambulância, minha mãe me acompanhava apreensivamente, recebendo as pancadas que a maca produzia com as oscilações bruscas do veículo. Sua sirene aclamava por passagem.


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