18 O Pulmão de Aço

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O Pulmão de Aço

Com a descoberta das minhas novas possibilidades, as cabeças pensantes colocaram idéias para serem discutidas. Eles viram que tinha algo de novo a ser explorado, com grandes chances de ter êxito. As reuniões e visitas clínicas retomaram sua rotina e passaram a me incluir novamente no itinerário. 
Depois de tanto prospectarem, adotaram idéia do "Pulmão de Aço" com adaptações. Ao invés de tanta parafernália em cima de mim, decidiram pegar um aparelho emprestado no interior de São Paulo, junto a uma das universidades. Lá tinha um professor que tinha um aparelho muito próximo daquela idéia inicial, só que simplificado.
Era como se fosse uma capa de chuva grossa toda azul, cheia de presilhas grossas nas mangas, na cintura, e uma gola tanto justa - tudo isso para evitar escapar o ar que seria inflado dentro desse saco que virava depois de apertado. Por baixo, uma tela de o plástico firme circundava o tronco para firmar e limitar a inflação interna de ar, de modo a impedir a aderência com a pele. De longe, eu parecia um astronauta, ou um grande bombom azul.
Por um pequeno tubo preso à indumentária, fixava-se o tubo do aparelho que ventilaria a área. Esse aparelho parecia um aspirador de pó, até no barulho. Ele jogava o ar lá dentro e tirava-o totalmente: como um balão, enchia e esvaziava, seguindo o movimento da respiração, com a diferença de que exercia mais força e pressão no tórax.
Eu tinha que aproveitar o movimento e fazer o exercício de levantar os ombros, para repetir a respiração de asmático. Cada vez que o aparelho descomprimia meu tórax, fazendo que buscasse mais ar, eu realizava o movimento para aumentar a performance. O ar, por sua vez, entrava pela cânula e inflava meus pulmões. 
Depois de ter me assistido um tempo, Dr. Beraldo, um dos médicos que participavam das visitas médicas, decidiu requisitar um exame sangüíneo para ver a oxigenação. Conhecida como gasometria, tinha por fim colher amostra de sangue arterial e ali se constatar os níveis de oxigênio no sangue.
E assim foi feito.
Enquanto se aguardava o resultado, vários médicos, inclusive o renomado professor, meu pai e o fisioterapeuta, acompanhavam e faziam suas constatações quanto ao processo todo de ventilação estimulada. E eu só fazendo o movimento forte de sobe e desce, em sincronia com o parecido aspirador de pó, já quase estafado.
Após um breve momento, chega o resultado: a taxa de oxigênio não estava no patamar desejado e aceitável. Viram que eu não estava sendo ventilado como precisava ser. Teriam que fazer alguma modificação ou algum ajuste. Decidiram assistir mais um pouco e conferir mais alguns detalhes, a fim de se identificar alguma falha no processo.
Depois de mais um pouco me exercitar, decidiram me dar um descanso. Tiraram a capa azul e a redoma de grade plástica que circundava meu tórax. E novamente encaixaram o adaptador do respirador automático na cânula presa na minha traqueostomia: finalmente eu pude sentir ar de qualidade entrando em meus pulmões, dissipando um pouco a zonzeira que eu não sabia se era da má oxigenação ou de todo o esforço.
As conversas continuaram. 
Depois de chamar um técnico da oficina hospitalar, e após um troca-troca de informações, decidiram experimentar uma ideia surgida: fariam uma espécie de uma redoma torácica de acrílico com um orifício parte central superior da cúpula para encaixe da ponta do aspirador de pó. Pelo seu formato, já deram o nome de casca de tartaruga, como de fato parecia.
Naquele mesmo dia, logo após, quase que imediatamente, já tiraram o molde de gesso do formato de meu tórax. A partir dali confeccionariam a famigerada. Enquanto se esperava uns dias, todos voltaram para suas rotinas.
Nesse ínterim, eu passei a ser mais exigido na fisioterapia para fortalecer meus ombros. Meu pai sempre presente na cobrança, acompanhando cada passo lento. Eu via em seus olhos toda a sua satisfação em ver alguma evolução. Ele não podia alardear esperanças porque ele foi treinado como médico para não demonstrar isso sem estar baseado em informações convincentes ou em algo real.
Sua mão sempre corria satisfeita em minha cabeça com meu esforço maior. Cada afagada, eu me esforçava mais. Em meus pensamentos, minha cabeça ia em tanto lugar a cada movimento com os ombros, enquanto as talas fixadas no alto do crucifixo de roldanas colocadas no arco da cama prendiam meus braços livres na tentativa de forçar um levantar de ombros com resistência. Eu forçava o que podia, independente da dor dava.

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