22 Uma Porta Que Se Fecha

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Uma Porta Que Se Fecha

Daquele momento em diante, mais exercícios respiratórios eu fazia para reforçar a capacidade respiratória. Mais e mais fortalecia a minha dádiva, e mais me desprendia daquele ambiente, bastava só fechar o orifício da traqueostomia. E isso seria feito aos poucos, gradualmente diminuindo a circunferência, por meio da diminuição da cânula. 
Até então olhava ao redor, pouco tempo atrás, não podia divisar nenhum ponto de saída daquele hospital. Mas naquele dia, sim, eu podia; porém, mais angústias chegavam com essa possibilidade de saída. Como seria minha vida lá fora? O que eu faria? Como as pessoas me veriam? E a minha família?
E o computador? E a cadeira de rodas motorizada, quem me ensinaria? Eram essas duas questões que acabariam por decidir se eu iria mais cedo para casa ou teria que esperar mais um pouco. 
Uma parte entendia que não era mais necessário o hospital; e a outra, entendeu que a minha família deveria se familiarizar com minha condição física e obter algum treinamento antes de ir.
Enquanto passava meus últimos dias no Primeiro Estágio, aproveitava para dar umas voltas no hospital e melhor conhecê-lo. Meu amigo Caíque se incumbiu de me carregar pelas diversas áreas, inclusive lá na anatomia patológica. 
Ali voltei várias vezes não só para ver meu amigo, mas também para exercitar meu lado mórbido ao ficar curtindo os vidros com ensaios diferentes, uma banheira com pedaços e partes do corpo humano colocados no formol e os vários potes de vidros com seres indescritíveis ou partes de seres.
Com o espírito mais leve, pude curtir minha hospedagem no hospital, sem me desfazer dos afazeres diários. Meus pais continuavam a ficar comigo e a dormir alternadamente. Poucos amigos me visitavam ainda com regularidade semanal; na verdade, só dois: o Han e o Gigi. No mais, a movimentação de acontecimentos no Primeiro Estágio é que fazia inovar minha rotina visual.
Quando fechou o orifício da traqueostomia, logo com a retirada da cânula de uma vez por todas, eu me senti livre, realmente livre. Parecia que toda aquela limitação física era um nada a ser superado, após penar respirar com respirador. 
Aquela sensação toda de liberdade me deu vontade de fazer tanta coisa que eu já não sabia o que era. Era um saltitar de alegria por dentro que parecia não querer parar nem se conter.
Depois de muito se discutir qual seria meu destino, finalmente se chegou a um veredicto: eu ficaria mais um tempo no hospital até se chegar o computador e a cadeira de rodas motorizada para aprender como lidar com eles e para que pudesse criar as adaptações e as ajudas técnicas para melhor usá-los. 
Enquanto isso, eu seria transferido para o quinto andar, para um quarto onde pudesse ficar com minha família, e eles se habituassem e aprendessem com a minha condição física.  
Assim, logo depois de entrar a segunda quinzena de outubro, eu fui conduzido ao quinto andar, levando comigo a saudade e a gratidão dos que cuidaram de mim naquele período, o aprendizado por cada dia experimentado naquela unidade de terapia intensiva. Para trás, ficaram as dores, as tristezas e os sofrimentos percebidos mas não compartilhados.

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