21 O Desmame

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O Desmame

Após meu aniversário, muita coisa aconteceu. E logo depois da festa.
Por ter passado quase uma tarde inteira sem beber nada, tirando aqueles parcos goles numa latinha de cerveja, acabei fazendo uma retenção urinária, inclusive por usar um jeans mais justo e mais apertado que o habitual pijama hospitalar. 
Daquilo tive que passar uma sonda na uretra para alívio, que acabou por viabilizar uma infecção urinária, com direito à febre alta e a calafrios. Uma semana de antibióticos. Era uma situação que eu não contava.
Após ter sido debelada a infecção, pude retomar à normalidade todas as tarefas.
A casca de tartaruga cada vez mais me possibilitou o aumento no tempo fora do respirador. E cada vez mais tempo eu ficava, mais eu podia sentir algo diferente em mim. Minha respiração autônoma aos poucos dava cada vez mais sinais de se restabelecer. E assim foi.
Com o passar do tempo, passei a experimentar ficar sem o respirador enquanto usava os ombros para puxar. 
Já podia ficar horas me movimentando com os ombros sem tanto sentir o esforço, bastando ficar sentado na cadeira de rodas para ter maior liberdade naquele movimento. O único limitador passou a ser o tempo sentado na cadeira de rodas por conta da circulação de retorno na região sacra.
A adoção de uma nova rotina se fez necessária.
De manhã, tomava meu café da manhã e meu banho, uma breve fisioterapia respiratória e depois curtir meu banho de sol até o almoço. À tarde, o fisioterapeuta e mais alguém me colocavam sentado na cadeira de rodas e assim eu ficava até o final da tarde quando voltava para cama para fazer a fisioterapia. Durante esse período, ficava sem respirador e mantinha toda a movimentação. À noite, eu jantava e depois voltava para o respirador para descansar até o dia seguinte.
Os dias foram passando e eu tendo mais autonomia respiratória.
Chegou um momento, a enfermeira-chefe veio até mim e disse:
"Cláudio, você não precisa mais voltar para o respirador à noite! Você está respirando normalmente".
"Não, Cleide, eu não consigo. Eu preciso do aparelho para descansar!".
"Na verdade, não. Você já passa quase que o dia todo fora. Não vai mudar nada para você", reforçou.
"Ah, Cleide, eu não consigo!".
"Façamos o seguinte: a gente só liga se precisar, para auxiliar sua respiração, como que um apoio paralelo", disse.
"É como um desmame. Você vai sendo desmamado até pegar confiança", completou.
E assim foi, mas chegou um momento voltei atrás.
Um dia após, ela retornou:
"Cláudio, você não precisa mais!", insistiu.
"Será?", argui com medo.
"Não, você não precisa mais", afirmou.
"Hoje nós não colocaremos à noite o respirador. Ele ficará à sua disposição, ao seu lado, se precisar. Ok?", endossou. 
Eu concordei.
A noite foi passando e eu respirando normalmente. Eu não conseguia relaxar: receava que se caísse no sono, poderia não respirar e ter alguma parada ou sei lá o quê. 
Chegou um momento, quando já não aguentava mais de sono e de cansaço, implorei para a enfermeira plantonista. Ela resistiu. Eu implorei muito e ela ao final cedeu, deixando-me colocar o respirador. 
Mal o ar começou a ventilar, eu já fui adormecendo, exausto.
Dia seguinte, repetimos a façanha.
A noite entrou e a mesma resistência do dia anterior. Era uma resistência psicológica e eu tinha apenas que relaxar para superá-la. O medo era enorme. A respiração não precisava mais de nenhum auxiliar, bastava deixar tudo fluir. Nem os ombros como um asmático era mais necessário.
As horas foram passando e eu resistindo até acabar caindo no sono. Depois de um tempo já dormindo, acordei assustado e de sobressalto. Quando vi que tudo tinha dado certo, voltei a fechar os olhos e continuei a dormir até o dia seguinte. Agora em paz, sem medos.
Finalmente tinha conseguido passar a noite sem o respirador.

* * *

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