17 A Novidade

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A Novidade

Depois de tanto me queixar quanto à mesmice das coisas, o recado foi recebido e a tarefa foi dada. O fisioterapeuta decidiu inovar nos exercícios, além dos tradicionais na manutenção dos membros que eu já fazia. 
Agora era que eu precisava fortalecer meu pescoço para firmá-lo melhor enquanto sentado, como também para que me ajudasse na melhora no uso das adaptações que eu poderia ter. E assim foi: aquele dia comecei a ficar de bruços com apoio em meus braços. 
Com toda tralha envolvida no meu pescoço, por conta do respirador, lá estava eu apoiado em meus ombros. Era ficar com a barriga para baixo na cama e com a cabeça sem sustentação como se estivesse lendo um livro a posição.
"Nossa, como é ruim ficar de ventre na cama depois do acidente. Parece que todo peso do mundo está sob você", resmunguei.
"Você acostuma, Cláudio. No início, é ruim, vai indo melhora, mas aos poucos", disse o Júnior tentando me animar. "Você precisa disso".
Nem dei muita importância, pouco que eu já tinha feito já estava exausto. Eu queria só sair de cima dos braços e deitar novamente a cabeça no colchão. Mas enquanto não descessem meus braços, eu não poderia!
"Não, Cláudio, aguenta mais um pouquinho!", ditou meu pai sem que pudesse reclamar. 
E assim me deixaram mais um pouco.  
Logo depois, desci dos ombros. Um alívio verdadeiro. Eu sentia um pouco de dor na nuca e na junção dos ombros com o tronco. Se dependesse disso para melhorar no uso das adaptações e no tempo de cadeira de rodas, eu ia penar muito ainda.
"Vamos lá? Já descansou!", disse animado o Júnior.
Eu olhei para ele e fechei os olhos para tentar demonstrar meu cansaço.
"Vamos mais um pouco, meu filho. É importante para você", pontuou meu pai.
Eu abri os olhos e fiz um olhar de pronto para a situação. E assim foi. Novamente sobre os ombros. Desta vez, fiquei um pouco mais tempo, segurando no limite o incômodo com a dor. Vendo meu esforço, o Júnior disse que já bastava.
Num instante, com a ajuda das enfermeiras, me viraram de barriga para cima. Logo desvirado, sentia um alívio enorme por sair daquela compressão e por poder ver melhor o que estava se passando. De imediato, meu pai, as enfermeiras e o Júnior trataram de colocar os travesseiros para melhor apoiar meu corpo.
Após estar bem acomodado, Júnior começou a erguer a cabeceira da cama para me posicionar sentado. Logo que ergueu, falou:
"Cláudio, vamos tentar fazer um outro exercício. Você vai tentar erguer o ombro para vermos o quanto está forte seu trapézio."
Assim que fiz, ele movimentou um pouco. Ele me pediu para que repetisse e eu repeti. Quando vi que fazia o movimento sem hesitação e sem tanto esforço, comecei a movimentar para cima e para baixo sem parar. Nesse momento, aconteceu uma situação estranha: o respirador passou a ter interferência em seu normal funcionamento.
Meu pai e o Júnior notaram.
Júnior disse bruscamente:
"Faz de novo isso, Cláudio".
E eu repeti.
Tudo se repetiu como antes. A movimentação incessante dos meus ombros passou a interferir no respirador. Meu pai e Júnior observaram todo processo enquanto eu repetia e logo se entreolharam.
Júnior sacou do bolso do jaleco o estetoscópio e falou:
"Cláudio, eu vou desconectar um instante o respirador e você vai fazer todo esse movimento."
Eu comecei a reproduzir o movimento enquanto Júnior ia me auscultando. Ele soltou um sorriso já reconectado a ponta do respirador na cânula, logo dizendo para meu pai:
"Com esse exercício, ele consegue fazer com que se movimente o ar dentro dos pulmões, inclusive com interação de ar, de dentro para fora e vice-versa."
Meu pai pegou o estetoscópio e me pediu refazer o movimento. Tirou o conector do respirador e passou a me auscultar com toda atenção, enquanto eu prosseguia no movimento de ombros.
"É mesmo", exclamou meu pai, parecendo não acreditar no que tinha constatado.
"Se ele fortalecer bem esse trapézio, ele pode até respirar como alguns asmáticos fazem, puxando os ombros", disse o Júnior empolgado com a possibilidade. 
Meu pai meneou afirmativamente com cabeça, logo soltando:
"Você já ouviu falar em 'Pulmão de Aço', que era usado em pacientes com paralisia há muitos anos atrás?"
"Já", disse o Júnior.
"Pois é, e se associássemos esses exercícios com o Pulmão de Aço? Poderíamos fazer com que ficasse até fora do respirador!", completou meu pai.
"É mesmo", concordou o Júnior.
No meio daquelas elucubrações, estava lá eu atônito com a novidade. Não sabia exatamente sobre o que falavam, mas sabia que era uma nova possibilidade em minha vida...   

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