16 Uma Terapia Ocupacional

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Uma Terapia Ocupacional

O tempo me trouxe de volta algo a fazer. A vontade era fazer algo mesmo, porém o que estava reservado a fazer era ler. Ler e ponto. Era como que não fazer para mim: ficar parado o tempo todo, lendo. 
Além de que parecia não querer encher meu tempo, porque dava impressão de perda de tempo ficar encarando um texto e com ele dialogando mentalmente enquanto corria os olhos pelos trechos. Mas era o que tinha a fazer.
As outras opções eram ver televisão, dormir, fisioterapia, escutar música e conversar. E nem sempre disponíveis nem em condições de serem realizadas. Então, a leitura era a que me possibilitava fazer alguma coisa, por mim mesmo vamos assim dizer.
Até porque poderia ficar sentado na cama ou na cadeira de rodas, ou até mesmo de lado na cama, bastando nesse caso chamar alguém para mudar a página, por conta da limitação no movimento do pescoço e da adaptação ainda não adequada.
Eu já não estava mais aguentando ficar à toa e ficar pensando demais na vida: era como que me transportar para pensamentos nem sempre saudáveis, por ficar pensando em possibilidades que não sei se viriam. E a leitura fazia bem esse papel de projeção de situações e de uma maneira ocupacional, sem me obrigar a entrar em depressão. Assim acabei por aderir a leitura como atividade, nem sempre diária - pelo menos, a princípio.
E foi numa tarde, sentado na cadeira de rodas, enquanto lia com adaptações uma revista semanal que meu pai assinava, adentra no recinto do Primeiro Estágio como que um turbilhão Dr. Campos da Paz, famigerado e temido Presidente da organização hospitalar, empregando passadas rápidas.
Antes que meu pai e eu pudéssemos cumprimentá-lo, passou por minha maca onde ficava apoiado meu livro, olhou rapidamente e logo sacou:
"Você precisa comprar um computador para ele!", prosseguiu em passada contínua até o fundo do posto de enfermagem.
Meu pai ficou me olhando, tentando detalhar mentalmente o que acabara de escutar. Eu dei de ombros e continuei a tentar ganhar habilidade com a adaptação, mudando uma página com todo cuidado para se firmar por debaixo do elástico que prendia a revista e evitava o retorno ou o avanço das páginas. A vista de longe levava a crer se tratar um unicórnio desajeitado tentando roçar o chifre numa placa de pvc.
De repente, ele volta:
"Comte, você tem que comprar um computador para ele! Ele poderá desenvolver várias atividades pelo computador, inclusive ser um programador ou outras atividades ligadas à informática.", repetiu Dr. Campos da Paz seriamente.
"Eu irei aos Estados Unidos buscar uma cadeira de rodas motorizada para ele no final do ano; vou aproveitar e trarei um computador também. Vocês vão ensiná-lo?", devolveu meu pai.
"Sim; pode ter certeza. Eu deslocarei alguém para ajudá-lo. Pode trazer!", respondeu como que não deixasse mais margem ao que falar mais, e seguiu rumo à saída.
"Eu trarei, pode ter certeza!", retornou meu pai, voltando-se para mim:
"Pois é, agora você vai aprender mexer no computador.".
Eu pensei: "ai, meu Deus, agora essa... computador! Nunca gostei e acho que nunca gostarei...".
"Pai, você vai aos Estados Unidos mesmo?", perguntei como que mais interessado na viagem que no computador.
"Vou. Andei pensando, você precisa de uma cadeira de rodas motorizada para se autolocomover e isso só se encontra lá. Além disso, darei uma olhada em novidades de estudos quanto ao seu caso. Sei que em Miami tem um bom centro de reabilitação."
"Mas como fará com o respirador e demais equipamentos para me permitir essa movimentação toda?", perguntei todo ansioso pela resposta.
"Há cadeiras de rodas motorizada que tem espaço próprio para se encaixar o respirador atrás, como também com uma variedade de recursos e maneiras para atender a necessidade da pessoa com deficiência. Lá nos States, eles pensam em tudo - já passaram por guerras e elas fazem com que a vida e as condições das pessoas se adaptem a essa realidade".
"Pai, mas se eu melhorar logo quando você trouxer a cadeira de rodas motorizada?", lançando a dúvida no ar.
"Ué, meu filho, isso a gente dá um jeito: vende, troca ou até mesmo doa. Até então vai precisar, então vai usando até quando não seja mais necessária", respondeu um pouco reticente, sem me olhar enquanto falava.    
    Evitei falar mais no assunto e voltei a folhear a revista sem muito interesse. Logo a seguir, vejo por canto dos olhos uma das abas da porta de entrada se abrir rapidamente: era o Júnior, o fisioterapeuta, para me ajudar a deitar de novo e a iniciar os trabalhos de fisioterapia.

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