5 No Politraumatizados
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No Politraumatizados
Já fazia
tempo que não me desligava por completo. Quando estava em casa só com meus
irmãos, eu nunca dormia relaxado, sempre de vigília. Onde morávamos o barulho
da rua era praticamente o dia todo, tirando as poucas horas que antecediam o
raiar do sol. Para completar, tinha que agüentar às vezes a paranóia de algum
vizinho que ligava às três da manhã pedindo para parássemos de pular e ficar
gritando, sendo que todos estavam dormindo.
O sono me
empurrava para bem longe. Era um momento por vezes surreal, por vezes bem real.
Aquele estado onírico tão pesado que começava a cansar, suspirar, transpirar e
até ter sede, muita sede. A água em abundância aparecia quase incessantemente. Mas
sempre inalcançável ou quando conseguia a sede nunca era saciada. E ela cada
vez mais se agrava: “ai, que sede!”.
Abri os
olhos, extremamente sedento.
Uma sala na
penumbra e eu deitado, totalmente imóvel. Escutava vários barulhos de aparelhos
ligados, como se monitorassem alguma freqüência. O inflar e o desinflar de um
respirador compunha a sinfonia que soava naquele instante. Acima da minha
cabeça, alguns vasilhames de soro cruzavam suas mangueiras, que se entrelaçavam
ao atingir mais embaixo, na altura de meus braços.
Quis me
mexer novamente e nada. Quis falar e nada. Uma espécie de chupeta dura ladeada
com um pequeno tubo saía da minha boca. Como machucava aquela coisa! No
prolongamento daquele tubo se conectava um cachimbo de plástico azul-claro, de
onde partia uma mangueira preta de borracha sanfonada. Aquilo estava preso a
uma outra que descia até um aparelho verde com um relógio marcador, que
oscilava seus ponteiros quando enchia e esvaziava meus pulmões. Era um
respirador!
Insisti
querendo me mexer, movimentando minha cabeça um pouco. De novo. E de repente,
se levantou uma pessoa e ela veio até mim. Minha mãe! Ela falou comigo
carinhosamente e eu tentei responder, fazendo menção de empurrar a chupeta, mas
estava bem presa. Ela achou que eu estava pedindo cigarro, mas não! Eu queria
falar e aquele troço na boca não deixava. Tentei mordê-lo, cuspi-lo, porém quanto
mais mexia mais machucava a boca. Não podia falar.
“Eu queria
água, pelo amor de Deus, mãezinha!”, pensei. “Me dá, água, por favor”, tentei dizer
gemendo. E nada. Fiz movimento com a boca de novo. Minha mãe me respondeu:
“não, meu filho, cigarro, não! Seu pai está logo ali!”. E eu implorava por
água. Tentei fazer por código Morse piscando os olhos, mas nem eu sabia, nem
muito menos ela entenderia. Insisti até que ela foi perguntando por várias
coisas, quando entendeu: água!
Não podia me
dar, nem teria como. Comecei a ficar desesperado diante de tanta sede, me
abatendo uma grande excitação. Ela passava a mão na minha cabeça, tentando me
acalmar, mas eu queria água, muita água! E nada! Eu prosseguia no movimento da
boca e no piscar dos olhos, só que ela não me atendia. E eu me agitando.
Quando,
então, após me mexer algumas vezes, ela saiu da sala e retornou com uma
enfermeira. Esta foi logo aplicando uma injeção no cateter do soro, me fazendo
retornar ao sono. Dormi mais, e fundo, sem chance para sonhar... tendo a sede
cercando todo o meu instante.
Momentos
após, abro os olhos do nada. Repito os movimentos com a cabeça para chamar a
atenção de minha mãe de novo. De repente, vejo o vulto se levantar... Não era
minha mãe... Quando ele se aproxima mais, noto que era uma velha amiga da mãe,
a Walda.
Repeti tudo
o que eu tinha feito quando minha mãe se apresentara, porém ela também não
conseguiu compreender. Eu já não sabia o que dizer quando ela prontamente
sorriu e disse, passando a mão na minha cabeça:
– “Sua mãe e
seu pai foram para casa... eles precisavam descansar, pois estavam muito
abalados... Não se preocupe, qualquer coisa, eu estou aqui...”
Mas eu só
queria duas coisas: uma, era entender tudo aquilo e a outra, ter meus pais por
perto... Um desespero diante daquele quadro de ignorância queria subir por
entre minhas vísceras. Eu tive vontade de chorar, mas apertei os olhos para que
a Walda não notasse e assim mantive os olhos um pouco fechados. O sono veio e
me levou até o dia seguinte...
* * *
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