3 Logo Após A Chegada
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Logo Após A Chegada
O barulho
suave da água caindo percorria os meus caminhos auriculares e chegava ao meu
cérebro. A dor no pescoço que eu sentia conduzia mais ainda à confusão de
idéias que reinava naquele momento, ao passo que uma descarga elétrica
fagulhava em meu corpo, querendo se dissipar sua intensidade e se esvair por
completo.
Uma
sonolência queria domar tudo e me fazer entregar a um mundo tão estranho e tão
tranqüilo, numa espécie de transporte para um lugar indizível e irreal, calmo e
elevado, enquanto eu assistia de camarote flashes céleres da minha infância
pródiga e cenas toscas de minha adolescência. O tempo tinha parado para que eu
visse o filme de minha vida...
Uma espécie
de burburinho queria tumultuar aquele momento. Que agitação era aquela? Longe,
algumas vozes familiares angustiadas pareciam querer se definir, mas eu não as
compreendia, por mais que tentasse. Quis de novo identificar as vozes, mas não
conseguia.
E assim
continuava: vozes sôfregas e agitadas não paravam; persistiam e insistiam, a
ponto de começarem a me incomodar naquele instante de letargia. “Saco!”, pensei. E o barulho irritante
persistia. Não agüentei, abri os olhos...
Só pude ver
água turva à frente...
Sem entender
o que se passava, tentei me virar... Nada respondia: não podia me virar nem
movimentar nada. Só sentia poucos choques fracos e intenso formigamento que iam
se dissipando pelo meu corpo. Este jazia completamente inerte, flutuando como
um velho e frágil tronco de árvore seco, indo ao sabor da marola que se formava
com o colidir das águas que caíam da cachoeira nas pedras que cercavam o pequeno
poço de água que se formava.
(‘This
is the end… Beautiful friend… This is the end… My only friend, the end…”)
– “O que
tinha acontecido? Por que não podia me movimentar e sentir meu corpo mais? Eu
precisava me virar, precisava respirar... estava com muita falta de ar e aquela
água vai entrar em meus pulmões, fazendo com que eu morra afogado!” Aquela idéia despertou meu raciocínio, apavorando-me totalmente. (“Of our elaborate plans, the end… Of everything that stands, the end… No safety or surprise, the end… I'll never look into your eyes... again…”)
Podia
identificar agora as vozes: “eram meus amigos! Meu Deus, por que a demora? Eu
preciso respirar; eu preciso de ar – eu vou morrer...!” Forcei a ver pelo canto
dos olhos e pude enxergar apesar de semi-imersos uma movimentação alucinada de
todos.
(“Can you picture what will be… So limitless and free… Desperately in
need... of some... stranger's hand… In a... desperate land?”)
No atropelo
da descida das pedras, Daniel e o Zé saltavam e ultrapassavam os obstáculos
irreflexivamente, manejando seus apoios desequilibradamente até terem
conseguido me alcançar. Com rapidez, logo me viraram e me carregaram até a
borda numa das pedras próximas, repousando avidamente meu corpo no colo de um
deles. Naquele instante, o pai do Zé corria atrás de socorro nas proximidades...
(“This
is the end,... Beautiful
friend... This is the end,... My only
friend, the end...”)
Não
conseguia mais respirar nem me movimentar. Meus dois amigos me tocavam
desesperados e gritavam para que eu respondesse a seus apelos. Eu não conseguia
dizer nada que não fosse sussurrar suplicando ar. Insistiam para que eu não
dormisse, mas uma sonolência louca queria dominar tudo. Passaram a estapear
suavemente meu rosto para que eu não fechasse os olhos e em resposta só pedia
ar.
(“It
hurts to set you free… But you'll never follow me…”)
E eles
reagiam: com respiração boca-a-boca, eles me atendiam ininterruptamente,
pedindo em troca apenas para que eu não dormisse nem fechasse os olhos, para
que eu continuasse a dizer algo. Eu tentava murmurando algo ininteligível à
compreensão normal, balbuciando confusamente algo como querendo entender tudo
aquilo e que estava com medo e que eles não poderiam me deixar.
(“The
end of laughter and soft lies… The end of nights we tried to die…”)
Tentei
atendê-los mais, mas fui ficando cada vez mais fraco e as idéias estavam se
tornando confusas com a má oxigenação. Uma força atrativa encantada parecia
querer me puxar para um sono reconfortante, trazendo a impressão de estar
entrando em processo de levitação.
(‘This is the end…”)
Os meus dois
amigos continuavam a estapear suavemente meu rosto, tentando me chamar a
atenção, e eu, mal tendo condições de divisá-los, só implorava que me dessem
ar, mais ar. Ali quedamos nas pedras até a rápida chegada do pai do Zé com o
resgate improvisado na redondeza...
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