10 O Dia D
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O Dia D
Com a chegada
do dia da cirurgia, eu parecia estourar com tanta ansiedade. Até a véspera, um
pouco de febre decorrente de um princípio de infecção urinária resistia
discretamente. Outras incertezas não psicológicas também pairavam ainda pelo
ar, dando-me mais insegurança quanto a seu desfecho.
O que assustou
no início e fez engrossar a dúvida quanto à necessidade de se esperar mais foi
logo debelada. No aspecto físico, parecia que estava tudo retomando à
normalidade, autorizando o procedimento cirúrgico. Com a cabeça cheia, fui
sendo esvaziado totalmente à base de laxantes fortes, complementado com uma
rigorosa dieta zero. Graças aos sedativos, pude ter uma noite tranqüila, sem
pensamento algum.
Antes da sete da manhã daquela terça-feira, fui
acordado. Com um breve bom dia, após ministrar meus medicamentos no frasco de
soro, a auxiliar de enfermagem desengatou o freio da minha maca e tão logo foi rumando
no sentido da saída do Primeiro Estágio, para o centro cirúrgico... A ela, logo
se juntou uma outra, que ia ventilando meu corpo com um ambú; apertando e
soltando aquela bola de futebol americano à semelhança de uma respiração
padrão.
Enquanto a
maca seguia destemida seu trajeto, eu tentava me fixar no solo em cada luminária
de teto que se apresentava na direção dos olhos. Mas o encontrar de cada pequena
junta de dilatação no chão, de onde se erguiam curtas saliências, davam suaves
e breves solavancos, que me faziam piscar assustado, assim me desprendia o
olhar da luminária anterior.
Como que me
segurando com os olhos, eu ia tentando em vão me firmar e fazer com que
retardasse a chegada. Não tinha como esconder: eu estava morrendo de medo, medo
de morrer. Eu me sentia como um novilho precoce ingressando no espaço onde se
dará seu abate. Nem berrar eu podia, sequer resistir fisicamente.
Ao aportar
numa entrada horizontal, mais parecida como um guichê de atendimento público de
repartição, minha maca foi logo sendo encostada numa bancada externa. Com o
encostar, de repente, logo meu corpo começou a lenta e automaticamente ser transferido
por entre a abertura daquela janela comprida daquele guichê.
Era por
aquele postigo que se passavam as pessoas que seriam se submeter à cirurgia, conferindo
maior isolamento ao centro cirúrgico. Enquanto acontecia a transferência, a auxiliar
de enfermagem conversava com a pessoa que se encontrava do outro lado daquela
abertura, dizendo alguns detalhes técnicos.
Depois que eu
já estava do outro lado da abertura, a auxiliar de enfermagem entregou o ambú a
outra pessoa que estava ao meu lado para prosseguir na ventilação. Logo após me
saudar rapidamente, esta pessoa encaixou uma mangueira de oxigênio no bico
daquele instrumento.
Eu senti uma tremenda
melhora na respiração... Era tão gostoso aquele ar puro... Porém, quando veio a
segunda bombeada de ar, veio algo junto com aquele ar puro e gostoso, e eu
fiquei logo mais sonolento. Quando, então, veio a terceira bombeada, como que com
um clorofórmio, eu, sem a menor resistência,
foi abatido e apagado no escuro...
Parecia que tinha morrido...
Quando
acordei, já era depois do almoço.
Abrindo os
olhos, pensei: “estava vivo, graças a Deus!”
Um pouco
zonzo e com bastante sede não sabia de nada: estava bem desorientado. Tinha
dúvida se a cirurgia tinha realmente ocorrido – foi tudo tão rápido, como um
morrer e viver novamente.
Minha mãe
apareceu... e logo sorriu. Eu fiquei tão contente em ver aqueles olhos azuis:
“eu estava no meu céu...”, pensei agradecido.
Contou que a
cirurgia tinha sido um sucesso. E começou a detalhar. Serraram a ponta do osso
da minha bacia e enxertaram-na ao longo da coluna, no pescoço, firmando-a com
um pedaço de fio metálico. Ao redor do pescoço, um colar cervical grosso,
forrado com uma compressa de algodão espessa, protegia vigorosamente a região.
As pinças que se prendiam lateralmente em minha cabeça e firmavam os pêndulos
de peso da tração foram retiradas totalmente, restando só o curativo.
Sem que ela
pudesse terminar os detalhes, eu lhe implorei por água. Uma sede louca me
absorvia, tirando-me para uma impaciência. Por ter que esperar passar mais os
efeitos da anestesia, eu que estava proibido de beber qualquer coisa.
“Tudo de novo”,
pensei.
Implorei ao menos
por uma gaze embebida por água. Com muita resistência, me deram. Assim que a
auxiliar encostou a gaze gelada em meus lábios, eu com extrema gana, roubei a
gaze e suguei com bastante voluptuosidade seu pouco líquido.
A auxiliar de
enfermagem chamou minha atenção, dizendo que não podia. Implorei por mais, mas
me negaram. Insisti, e nada. Olhei para minha mãe, prometendo só mais um
pouquinho d’água e ela conversou com a auxiliar de enfermagem. E esta,
olhando-me com compaixão, cedeu.
“Só um
pouquinho na gaze, e só! Senão você acaba vomitando, tá?”, disse.
Eu me
conformando, concordei.
Sorvi com
bastante parcimônia e fechei os olhos para tentar dissipar meus pensamentos,
que acabou induzindo meu sono.
* * *
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